Blog do Micael
“Não conhecemos nossas raízes”
Por Laura Rachid
Jornalista e ex-aluna do Micael
Foi uma honra integrar a equipe do documentário Oremba’e Eí Yma Guare – O Mel do Passado (assista aqui). Recebi o convite do Wera Poty Thiago Henrique, jovem liderança da aldeia Guarani Mbya da Terra Indígena Jaraguá, localizada na Zona Oeste de SP, e fiquei muito feliz. Afinal, filmar momentos especiais da cultura, entrevistar o xãmoi (líder espiritual) e demais sábios e sábias indígenas é sempre um presente para mim. Me renova. Para completar, não é um documentário da Laura e sim dos Guarani. Eu e o Thiago Carvalho ganhamos o presente de participar dele.
Me envolvi com os povos indígenas em 2015. A partir do meu primeiro contato com esses povos guerreiros, minha vida mudou completamente. Me engajei no movimento e passei a me reconstruir e a reaprender o outro lado da História. Afinal, falar que o Brasil foi descoberto — no lugar de invadido — e não reconhecer que as terras devem ser demarcadas (dentre muitas outras questões) é uma falta de respeito com quem resistiu e ainda resiste neste território.
São mais de 300 etnias que falam mais de 200 línguas. Não me esqueço do dia em que levei um amigo haitiano para uma aldeia do Jaraguá, a Tekoa Pyau, e ele me indagou: “Como assim eles falam em guarani? Me falaram que no Brasil só se falava português”.
O fato é que nós não conhecemos nossas raízes, o que gera, em muitos casos, injustiça, desrespeito e falta de conhecimento perante o outro.
Para mim o contato com as populações tradicionais é um resgate ancestral que alimenta meu espírito. Em julho agora voltei à Amazônia acreana, onde passei alguns dias com os Shawãdawa, acompanhada de jovens Puyanawa. Sem contar o trajeto repleto de comunidades ribeirinhas. É um presente, uma honra e um lindo chamado ter a oportunidade de pisar na Amazônia e escutar as histórias repletas de lutas desses povos. Até a década de 70, por exemplo, no Acre os indígenas eram escravos dos patrões da borracha. Não podiam falar suas línguas tradicionais e muito menos praticar sua cultura. O direito à liberdade é recente e não ocorreu de mão beijada, foi e é por conta da luta de muita gente. Nós aqui em São Paulo não conhecemos essa e muitas outras histórias que merecem e devem ser espalhadas.
Voltando aos Guarani Mbya, fico encantada com a força deles. Afinal, vivem em São Paulo, uma das maiores cidades do mundo (também estão presentes em outras regiões do país), e o fato de usarem roupa, celular e internet não quer dizer que deixaram de ser indígenas. Os não indígenas adoram julgar, mas o fato é que há muita gente nessas aldeias que luta para o fortalecimento da cultura. Participei de cerimônias extremamente especiais nas aldeias da Terra Indígena Jaraguá e sei que ainda há muitos aspectos da cultura preservados.
Em relação à temática do documentário, até então eu não sabia da importância das abelhas para a nossa vida na Terra e tampouco das abelhas sem ferrão. Seres pequeninos e essenciais.
Fico muito feliz de poder escrever para o blog desse colégio, onde entrei no jardim de infância e só saí para ir à faculdade. Tenho um carinho enorme por todos os professor@s, funcionári@s, alun@s e plantas. Posso ter terminado a educação básica, mas o Micael ainda faz e sempre fará parte da minha vida.
Leia a seguir a visão do Wera Mirim Marcio e do Thiago Carvalho sobre a participação no documentário:
Wera Mirim Marcio é Guarani, meliponicultor e vive na aldeia Tekoa Itu, da Terra Indígena Jaraguá. Ele é figura essencial para o projeto das abelhas ter chegado ao Jaraguá. Além disso, traduziu as entrevistas do guarani para o português e é um dos personagens do nosso média-metragem.
“Foi uma experiência única, muito boa e muito importante porque esse filme tem uma visão realmente nossa, do nosso povo Guarani. As traduções foram difíceis para mim, trabalho árduo, mas que ficou muito bacana porque teve toda uma participação em equipe para ficar da forma como pensamos, como queríamos. O ponto mais importante é que o filme tem a cara do Guarani, tem toda a identidade Guarani porque soubemos fazer. Fora isso, ele está aos poucos repercutindo. Outro detalhe importante é esse: colocar o filme para o povo lá fora saber do nosso trabalho e o quão a abelha é importante na visão Guarani. Esperamos que esse filme seja muito divulgado para que, mesmo de forma indireta, as pessoas comecem a proteger as abelhas, que é o foco do nosso trabalho — a preservação das abelhas.
Outro ponto importante é que não havia um documentário que mostrasse essa relação que nós Guarani temos com as abelhas na questão religiosa, que é muito, muito sagrada. Ainda não tinha sido mostrado, dessa forma, para todo juruá kuery (não indígena) ver. Por acreditarmos nesse trabalho, revelamos o nosso segredo que antigamente era guardado a sete chaves pelo xãmoi kuery (líder espiritual). Acho que isso é um ponto muito forte para nós e por acreditarmos em vocês [Laura e Thiago Carvalho] e acreditarmos que o povo lá fora vai fazer um bom uso, vai entender o que a gente passa no filme a gente colocou. Antes nada disso era divulgado e esperamos que seja de bom uso para a sociedade. Só tenho a agradecer e esperamos que o filme represente o povo Guarani lá fora”.
O Thiago Carvalho é um grande parceiro dos Guarani Mbya e dirigiu e filmou junto comigo. Além disso foi ele quem editou todo o material. Nas palavras dele:
“O Mel do Passado foi a busca de um resgate cultural importante para o povo Guarani e a construção de um recado fundamental de conscientização e alerta à sociedade e poder público sobre a importância que abelhas sem ferrão têm para a vida e preservação do meio ambiente.”
OBS: o Wera Poty Thiago Henrique acabou não enviando a tempo sua opinião (pedi em cima da hora), porém, ele é um personagem central no documentário e compartilha muitas informações especiais de seu povo e dos cuidados com as abelhas sem ferrão
As minhocas e nossa relação com o planeta
“Quando cheguei ao Micael, em 2018, a escola já tinha alguns minhocários: um no ensino médio, dois no fundamental e três no jardim. Todos estavam ativos, mas eram pouco utilizados. Em dado momento, um grupo de alunos do 9o ano teve a ideia de revigorar o uso do minhocário que existia no ensino médio. A proposta se tornou um projeto que tem envolvido a escola inteira.
Inicialmente, avaliamos nosso potencial: tínhamos necessidade de mais minhocários e conseguiríamos mantê-los? Chegamos à conclusão que sim. Primeiro, pelo tipo de alimento que se consome no Micael – muitos são potenciais “comidas de minhoca”, como verduras, legumes crus e frutas; depois, pelas possibilidades pedagógicas que surgem quando se tem um minhocário na sala de aula.
O segundo passo foi levar para a reunião de professores não apenas a ideia, mas o próprio minhocário. Assim, eu e a Alessandra, professora de biologia do noturno, desmontamos um para que todos pudessem ver como ele é por dentro. Aproveitamos para falar a respeito das minhocas e das reflexões que elas podem trazer quando olhamos com carinho para o pequeno ecossistema criado no local onde elas vivem. A minhoca pode ser um bicho de estimação capaz de consumir uma parcela dos resíduos orgânicos que geramos e tem grande potencial de integrar uma solução ambiental para o nosso planeta.
Após essa exposição, levamos a discussão para as turmas de ensino fundamental, refletindo a respeito dos resíduos que produzimos, de quais deles nós mesmos podemos cuidar e para quais conseguimos dar um destino, encontrar uma boa solução, por meio do contato com as minhocas, tanto em casa quanto na sala de aula.
Na etapa seguinte, os alunos participaram de uma oficina de separação de resíduos. Eles concluíram que resíduos sólidos podem ser enviados para reciclagem – se não conseguirmos aproveitá-los para nenhum outro fim dentro da própria escola – enquanto grande parte dos resíduos orgânicos pode ser dada às minhocas. Essa atividade sensibilizou bastante os alunos para a questão do lixo em geral e dos minhocários em particular.
Como consequência dessa vivência, passamos a produzir com os próprios alunos novos minhocários para a escola. Primeiro com as turmas do ensino fundamental, que montaram dois para as entradas do prédio delas e dois para salas de aulas.
Em seguida, o processo ocorreu com as crianças do jardim, que ajudaram a produzir uma casa de minhocas para o maternal. No caso do ensino médio, retomamos o minhocário que já havia ali, e agora os alunos estão aprendendo a manejá-lo.
Com todo esse fomento, em breve teremos muitos minhocários para cuidar. Haverá, então, um interessante desdobramento, já que logo precisaremos pensar no que fazer com os presentes que as minhocas nos dão: o húmus e o chorume.
Surgirão, assim, outras atividades e, a partir delas, outro entendimento. Se temos húmus e precisamos pensar no destino que daremos a ele, vamos começar a olhar para as plantas que nos rodeiam. Podemos passar a cuidar dos jardins da escola; talvez até levar uma parte do húmus e do chorume para cuidar das plantas de casa. Se for uma planta de comer, uma parte dela será consumida e a outra, devolvida para as minhocas, fechando um circuito.
Esse processo é uma imitação dos ciclos maiores que ocorrem no planeta: tudo tem um lugar de onde veio e um lugar para onde vai.
Pensar em tudo isso nos torna mais responsáveis em relação aos ciclos naturais. É assim que um simples minhocário gera uma reflexão profunda. As crianças ganham a oportunidade de aprender que as coisas não aparecem no mercado nem somem no caminhão de lixo.
O planeta em que vivemos é fechado, tem ciclos que não podem ser quebrados. Pensar nisso ajuda a mudar a maneira como enxergamos o mundo e nossa relação com ele. Passamos a ser mais vigilantes em relação ao que consumimos, ao que comemos, sob pena de acabar cometendo alguns deslizes ecológicos por falta de atenção.
É isso que esperamos que fique para as crianças, para os jovens e suas famílias: a percepção de que precisamos estar atentos aos nossos hábitos. Quanto está sendo consumido e quanto está sendo descartado, qual a qualidade do que foi descartado. Tantas vezes aquilo que chamamos de lixo é, na verdade, um resíduo que poderia ser destinado para outros fins. É preciso ter responsabilidade no momento de consumir e no de descartar. Que cada um faça sua parte para a manutenção da vida no planeta. Se não for possível contribuir para melhorar a vida de todos, que pelo menos esteja atento para não piorá-la, reduzindo os impactos que causamos ao meio ambiente.
Começamos com um pequeno passo: aprendendo na escola a manter viva essa atitude simples de alimentar as minhocas; compreendendo que comida de minhoca não é lixo. É luxo.”
Por César Pegoraro, professor de biologia do ensino médio
Fotos: Katia Geiling
Participe do Colmeia Waldorf100, evento de celebração do centenário da pedagogia Waldorf que vai acontecer dia 03/08 no Colégio Micael e promoverá uma reflexão sobre produção sustentável de alimentos. Inscrições aqui.
Ecologia à mesa
Durante duas semanas, os alunos do 10º ano A fizeram uma experiência para a disciplina de biologia: mudaram seus hábitos alimentares para compreender, por meio da auto-percepção, a fisiologia do trato digestório e do sistema excretor.
Os jovens receberam o desafio de consumir ao menos 2 litros de água diariamente, não comer carnes, mastigar 30 vezes cada porção que se põe na boca, fazer todas as refeições e descobrir novos sabores. Era preciso tomar nota de tudo o que percebiam que estava acontecendo: quanto comeram, o que comeram, se descobriram um novo sabor, quantas vezes foram ao banheiro, como se sentiram ao fim de cada dia.
A partir desses dados e de outros mais subjetivos, os estudantes foram capazes de avaliar de que maneira os alimentos agem sobre o corpo e como o corpo pode reagir aos alimentos.
Disposição ou sonolência, cor do xixi, frequência de idas ao banheiro e cheiro do suor foram itens em que todos puderam notar mudanças.
A partir dessas percepções, é possível compreender melhor como a máquina que chamamos de organismo trabalha.
Assim como os alunos entenderam o que funciona melhor para o organismo de cada um, também foi possível levá-los a perceber que as escolhas alimentares afetam o que está do lado externo do corpo – ou seja, o planeta em que vivemos. Existe uma ecologia para dentro da boca e outra para fora da boca. O que faz bem para o ambiente faz bem para o corpo? O que é melhor? Um alimento in natura ou um industrializado? Orgânico ou cultivado à base de pesticidas? Uma fruta ou um derivado de proteína animal? De que maneira as escolhas individuais influenciam o mundo em que vivemos?
A ideia, assim, é ao mesmo tempo conhecer e trabalhar a vitalidade interna, fisiológica, e provocar uma reflexão a respeito da ecologia de maneira mais abrangente, compreendendo que somos seres que tomam decisões e que nossas escolhas interferem no mundo.
Desse trabalho surgiram muitas reflexões interessantes a partir das discussões que aconteceram em sala de aula. Foram grandes descobertas, tanto dos alunos quanto do professor, que acha muito interessante crescer junto com esses jovens.
Por César Pegoraro, professor de biologia do ensino médio
Trechos de relatórios produzidos pelos alunos após a experiência:
“Foi uma experiência muito valiosa para mim. Ela me fez refletir sobre certos assuntos de um modo mais novo e mais aberto. (…) Além desse novo ponto de vista, o processo me proporcionou um aprendizado maior sobre o meu corpo e como ele funciona.”
Carolina Sant’Anna do Nascimento, aluna do 10º A
“Não costumo comer carne com frequência. Sou extremamente contra, ideologicamente falando. Só não deixo de comer por causa dos meus pais, que ainda não permitem. Então nesse quesito foi muito tranquilo. (…)
No início foi difícil mastigar 30 vezes cada garfada. Lentamente, isso se tornou um costume e me ajudou a comer mais devagar. Algo que faz diferença, pois me deixa mais presente durante a refeição. (…) Com certeza manterei esses hábitos, que fazem sentido com a maneira como meu corpo funciona. Sempre seguimos nos conhecendo! Obrigada, Cesinha!”
Alice Polito Silva, aluna do 10º A
“Você é o que você come! Já parou para pensar nisso? Você sabe realmente o que está comendo? O que aquele alimento faz dentro do seu corpo? Mais do que uma experiência alimentar, essa proposta foi uma experiência de vida, de autoconhecimento, de sociedade e de biologia! Mudar seus hábitos alimentares é uma escolha, influenciada pela cultura, pela sociedade, pela informação, por aquilo que você acha que é o ideal. É uma manifestação, uma maneira de vida.”
Clara Asse Moreira, aluna do 10º A
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“Não conhecemos nossas raízes”
Por Laura Rachid
Jornalista e ex-aluna do Micael
Foi uma honra integrar a equipe do documentário Oremba’e Eí Yma Guare – O Mel do Passado (assista aqui). Recebi o convite do Wera Poty Thiago Henrique, jovem liderança da aldeia Guarani Mbya da Terra Indígena Jaraguá, localizada na Zona Oeste de SP, e fiquei muito feliz. Afinal, filmar momentos especiais da cultura, entrevistar o xãmoi (líder espiritual) e demais sábios e sábias indígenas é sempre um presente para mim. Me renova. Para completar, não é um documentário da Laura e sim dos Guarani. Eu e o Thiago Carvalho ganhamos o presente de participar dele.
Me envolvi com os povos indígenas em 2015. A partir do meu primeiro contato com esses povos guerreiros, minha vida mudou completamente. Me engajei no movimento e passei a me reconstruir e a reaprender o outro lado da História. Afinal, falar que o Brasil foi descoberto — no lugar de invadido — e não reconhecer que as terras devem ser demarcadas (dentre muitas outras questões) é uma falta de respeito com quem resistiu e ainda resiste neste território.
São mais de 300 etnias que falam mais de 200 línguas. Não me esqueço do dia em que levei um amigo haitiano para uma aldeia do Jaraguá, a Tekoa Pyau, e ele me indagou: “Como assim eles falam em guarani? Me falaram que no Brasil só se falava português”.
O fato é que nós não conhecemos nossas raízes, o que gera, em muitos casos, injustiça, desrespeito e falta de conhecimento perante o outro.
Para mim o contato com as populações tradicionais é um resgate ancestral que alimenta meu espírito. Em julho agora voltei à Amazônia acreana, onde passei alguns dias com os Shawãdawa, acompanhada de jovens Puyanawa. Sem contar o trajeto repleto de comunidades ribeirinhas. É um presente, uma honra e um lindo chamado ter a oportunidade de pisar na Amazônia e escutar as histórias repletas de lutas desses povos. Até a década de 70, por exemplo, no Acre os indígenas eram escravos dos patrões da borracha. Não podiam falar suas línguas tradicionais e muito menos praticar sua cultura. O direito à liberdade é recente e não ocorreu de mão beijada, foi e é por conta da luta de muita gente. Nós aqui em São Paulo não conhecemos essa e muitas outras histórias que merecem e devem ser espalhadas.
Voltando aos Guarani Mbya, fico encantada com a força deles. Afinal, vivem em São Paulo, uma das maiores cidades do mundo (também estão presentes em outras regiões do país), e o fato de usarem roupa, celular e internet não quer dizer que deixaram de ser indígenas. Os não indígenas adoram julgar, mas o fato é que há muita gente nessas aldeias que luta para o fortalecimento da cultura. Participei de cerimônias extremamente especiais nas aldeias da Terra Indígena Jaraguá e sei que ainda há muitos aspectos da cultura preservados.
Em relação à temática do documentário, até então eu não sabia da importância das abelhas para a nossa vida na Terra e tampouco das abelhas sem ferrão. Seres pequeninos e essenciais.
Fico muito feliz de poder escrever para o blog desse colégio, onde entrei no jardim de infância e só saí para ir à faculdade. Tenho um carinho enorme por todos os professor@s, funcionári@s, alun@s e plantas. Posso ter terminado a educação básica, mas o Micael ainda faz e sempre fará parte da minha vida.
Leia a seguir a visão do Wera Mirim Marcio e do Thiago Carvalho sobre a participação no documentário:
Wera Mirim Marcio é Guarani, meliponicultor e vive na aldeia Tekoa Itu, da Terra Indígena Jaraguá. Ele é figura essencial para o projeto das abelhas ter chegado ao Jaraguá. Além disso, traduziu as entrevistas do guarani para o português e é um dos personagens do nosso média-metragem.
“Foi uma experiência única, muito boa e muito importante porque esse filme tem uma visão realmente nossa, do nosso povo Guarani. As traduções foram difíceis para mim, trabalho árduo, mas que ficou muito bacana porque teve toda uma participação em equipe para ficar da forma como pensamos, como queríamos. O ponto mais importante é que o filme tem a cara do Guarani, tem toda a identidade Guarani porque soubemos fazer. Fora isso, ele está aos poucos repercutindo. Outro detalhe importante é esse: colocar o filme para o povo lá fora saber do nosso trabalho e o quão a abelha é importante na visão Guarani. Esperamos que esse filme seja muito divulgado para que, mesmo de forma indireta, as pessoas comecem a proteger as abelhas, que é o foco do nosso trabalho — a preservação das abelhas.
Outro ponto importante é que não havia um documentário que mostrasse essa relação que nós Guarani temos com as abelhas na questão religiosa, que é muito, muito sagrada. Ainda não tinha sido mostrado, dessa forma, para todo juruá kuery (não indígena) ver. Por acreditarmos nesse trabalho, revelamos o nosso segredo que antigamente era guardado a sete chaves pelo xãmoi kuery (líder espiritual). Acho que isso é um ponto muito forte para nós e por acreditarmos em vocês [Laura e Thiago Carvalho] e acreditarmos que o povo lá fora vai fazer um bom uso, vai entender o que a gente passa no filme a gente colocou. Antes nada disso era divulgado e esperamos que seja de bom uso para a sociedade. Só tenho a agradecer e esperamos que o filme represente o povo Guarani lá fora”.
O Thiago Carvalho é um grande parceiro dos Guarani Mbya e dirigiu e filmou junto comigo. Além disso foi ele quem editou todo o material. Nas palavras dele:
“O Mel do Passado foi a busca de um resgate cultural importante para o povo Guarani e a construção de um recado fundamental de conscientização e alerta à sociedade e poder público sobre a importância que abelhas sem ferrão têm para a vida e preservação do meio ambiente.”
OBS: o Wera Poty Thiago Henrique acabou não enviando a tempo sua opinião (pedi em cima da hora), porém, ele é um personagem central no documentário e compartilha muitas informações especiais de seu povo e dos cuidados com as abelhas sem ferrão
As minhocas e nossa relação com o planeta
“Quando cheguei ao Micael, em 2018, a escola já tinha alguns minhocários: um no ensino médio, dois no fundamental e três no jardim. Todos estavam ativos, mas eram pouco utilizados. Em dado momento, um grupo de alunos do 9o ano teve a ideia de revigorar o uso do minhocário que existia no ensino médio. A proposta se tornou um projeto que tem envolvido a escola inteira.
Inicialmente, avaliamos nosso potencial: tínhamos necessidade de mais minhocários e conseguiríamos mantê-los? Chegamos à conclusão que sim. Primeiro, pelo tipo de alimento que se consome no Micael – muitos são potenciais “comidas de minhoca”, como verduras, legumes crus e frutas; depois, pelas possibilidades pedagógicas que surgem quando se tem um minhocário na sala de aula.
O segundo passo foi levar para a reunião de professores não apenas a ideia, mas o próprio minhocário. Assim, eu e a Alessandra, professora de biologia do noturno, desmontamos um para que todos pudessem ver como ele é por dentro. Aproveitamos para falar a respeito das minhocas e das reflexões que elas podem trazer quando olhamos com carinho para o pequeno ecossistema criado no local onde elas vivem. A minhoca pode ser um bicho de estimação capaz de consumir uma parcela dos resíduos orgânicos que geramos e tem grande potencial de integrar uma solução ambiental para o nosso planeta.
Após essa exposição, levamos a discussão para as turmas de ensino fundamental, refletindo a respeito dos resíduos que produzimos, de quais deles nós mesmos podemos cuidar e para quais conseguimos dar um destino, encontrar uma boa solução, por meio do contato com as minhocas, tanto em casa quanto na sala de aula.
Na etapa seguinte, os alunos participaram de uma oficina de separação de resíduos. Eles concluíram que resíduos sólidos podem ser enviados para reciclagem – se não conseguirmos aproveitá-los para nenhum outro fim dentro da própria escola – enquanto grande parte dos resíduos orgânicos pode ser dada às minhocas. Essa atividade sensibilizou bastante os alunos para a questão do lixo em geral e dos minhocários em particular.
Como consequência dessa vivência, passamos a produzir com os próprios alunos novos minhocários para a escola. Primeiro com as turmas do ensino fundamental, que montaram dois para as entradas do prédio delas e dois para salas de aulas.
Em seguida, o processo ocorreu com as crianças do jardim, que ajudaram a produzir uma casa de minhocas para o maternal. No caso do ensino médio, retomamos o minhocário que já havia ali, e agora os alunos estão aprendendo a manejá-lo.
Com todo esse fomento, em breve teremos muitos minhocários para cuidar. Haverá, então, um interessante desdobramento, já que logo precisaremos pensar no que fazer com os presentes que as minhocas nos dão: o húmus e o chorume.
Surgirão, assim, outras atividades e, a partir delas, outro entendimento. Se temos húmus e precisamos pensar no destino que daremos a ele, vamos começar a olhar para as plantas que nos rodeiam. Podemos passar a cuidar dos jardins da escola; talvez até levar uma parte do húmus e do chorume para cuidar das plantas de casa. Se for uma planta de comer, uma parte dela será consumida e a outra, devolvida para as minhocas, fechando um circuito.
Esse processo é uma imitação dos ciclos maiores que ocorrem no planeta: tudo tem um lugar de onde veio e um lugar para onde vai.
Pensar em tudo isso nos torna mais responsáveis em relação aos ciclos naturais. É assim que um simples minhocário gera uma reflexão profunda. As crianças ganham a oportunidade de aprender que as coisas não aparecem no mercado nem somem no caminhão de lixo.
O planeta em que vivemos é fechado, tem ciclos que não podem ser quebrados. Pensar nisso ajuda a mudar a maneira como enxergamos o mundo e nossa relação com ele. Passamos a ser mais vigilantes em relação ao que consumimos, ao que comemos, sob pena de acabar cometendo alguns deslizes ecológicos por falta de atenção.
É isso que esperamos que fique para as crianças, para os jovens e suas famílias: a percepção de que precisamos estar atentos aos nossos hábitos. Quanto está sendo consumido e quanto está sendo descartado, qual a qualidade do que foi descartado. Tantas vezes aquilo que chamamos de lixo é, na verdade, um resíduo que poderia ser destinado para outros fins. É preciso ter responsabilidade no momento de consumir e no de descartar. Que cada um faça sua parte para a manutenção da vida no planeta. Se não for possível contribuir para melhorar a vida de todos, que pelo menos esteja atento para não piorá-la, reduzindo os impactos que causamos ao meio ambiente.
Começamos com um pequeno passo: aprendendo na escola a manter viva essa atitude simples de alimentar as minhocas; compreendendo que comida de minhoca não é lixo. É luxo.”
Por César Pegoraro, professor de biologia do ensino médio
Fotos: Katia Geiling
Participe do Colmeia Waldorf100, evento de celebração do centenário da pedagogia Waldorf que vai acontecer dia 03/08 no Colégio Micael e promoverá uma reflexão sobre produção sustentável de alimentos. Inscrições aqui.
Ecologia à mesa
Durante duas semanas, os alunos do 10º ano A fizeram uma experiência para a disciplina de biologia: mudaram seus hábitos alimentares para compreender, por meio da auto-percepção, a fisiologia do trato digestório e do sistema excretor.
Os jovens receberam o desafio de consumir ao menos 2 litros de água diariamente, não comer carnes, mastigar 30 vezes cada porção que se põe na boca, fazer todas as refeições e descobrir novos sabores. Era preciso tomar nota de tudo o que percebiam que estava acontecendo: quanto comeram, o que comeram, se descobriram um novo sabor, quantas vezes foram ao banheiro, como se sentiram ao fim de cada dia.
A partir desses dados e de outros mais subjetivos, os estudantes foram capazes de avaliar de que maneira os alimentos agem sobre o corpo e como o corpo pode reagir aos alimentos.
Disposição ou sonolência, cor do xixi, frequência de idas ao banheiro e cheiro do suor foram itens em que todos puderam notar mudanças.
A partir dessas percepções, é possível compreender melhor como a máquina que chamamos de organismo trabalha.
Assim como os alunos entenderam o que funciona melhor para o organismo de cada um, também foi possível levá-los a perceber que as escolhas alimentares afetam o que está do lado externo do corpo – ou seja, o planeta em que vivemos. Existe uma ecologia para dentro da boca e outra para fora da boca. O que faz bem para o ambiente faz bem para o corpo? O que é melhor? Um alimento in natura ou um industrializado? Orgânico ou cultivado à base de pesticidas? Uma fruta ou um derivado de proteína animal? De que maneira as escolhas individuais influenciam o mundo em que vivemos?
A ideia, assim, é ao mesmo tempo conhecer e trabalhar a vitalidade interna, fisiológica, e provocar uma reflexão a respeito da ecologia de maneira mais abrangente, compreendendo que somos seres que tomam decisões e que nossas escolhas interferem no mundo.
Desse trabalho surgiram muitas reflexões interessantes a partir das discussões que aconteceram em sala de aula. Foram grandes descobertas, tanto dos alunos quanto do professor, que acha muito interessante crescer junto com esses jovens.
Por César Pegoraro, professor de biologia do ensino médio
Trechos de relatórios produzidos pelos alunos após a experiência: