“Não conhecemos nossas raízes”

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Thiago Henrique e Laura durante as filmagens de O Mel do Passado
Por Laura Rachid
Jornalista e ex-aluna do Micael
Foi uma honra integrar a equipe do documentário Oremba’e Eí Yma Guare – O Mel do Passado (assista aqui). Recebi o convite do Wera Poty Thiago Henrique, jovem liderança da aldeia Guarani Mbya da Terra Indígena Jaraguá, localizada na Zona Oeste de SP, e fiquei muito feliz. Afinal, filmar momentos especiais da cultura, entrevistar o xãmoi (líder espiritual) e demais sábios e sábias indígenas é sempre um presente para mim. Me renova. Para completar, não é um documentário da Laura e sim dos Guarani. Eu e o Thiago Carvalho ganhamos o presente de participar dele. 
Me envolvi com os povos indígenas em 2015. A partir do meu primeiro contato com esses povos guerreiros, minha vida mudou completamente. Me engajei no movimento e passei a me reconstruir e a reaprender o outro lado da História. Afinal, falar que o Brasil foi descoberto — no lugar de invadido — e não reconhecer que as terras devem ser demarcadas (dentre muitas outras questões) é uma falta de respeito com quem resistiu e ainda resiste neste território.
São mais de 300 etnias que falam mais de 200 línguas. Não me esqueço do dia em que levei um amigo haitiano para uma aldeia do Jaraguá, a Tekoa Pyau, e ele me indagou: “Como assim eles falam em guarani? Me falaram que no Brasil só se falava português”. 
O fato é que nós não conhecemos nossas raízes, o que gera, em muitos casos, injustiça, desrespeito e falta de conhecimento perante o outro. 
Para mim o contato com as populações tradicionais é um resgate ancestral que alimenta meu espírito. Em julho agora voltei à Amazônia acreana, onde passei alguns dias com os Shawãdawa, acompanhada de jovens Puyanawa. Sem contar o trajeto repleto de comunidades ribeirinhas. É um presente, uma honra e um lindo chamado ter a oportunidade de pisar na Amazônia e escutar as histórias repletas de lutas desses povos. Até a década de 70, por exemplo, no Acre os indígenas eram escravos dos patrões da borracha. Não podiam falar suas línguas tradicionais e muito menos praticar sua cultura. O direito à liberdade é recente e não ocorreu de mão beijada, foi e é por conta da luta de muita gente.  Nós aqui em São Paulo não conhecemos essa e muitas outras histórias que merecem e devem ser espalhadas. 
Voltando aos Guarani Mbya, fico encantada com a força deles. Afinal, vivem em São Paulo, uma das maiores cidades do mundo (também estão presentes em outras regiões do país), e o fato de usarem roupa, celular e internet não quer dizer que deixaram de ser indígenas. Os não indígenas adoram julgar, mas o fato é que há muita gente nessas aldeias que luta para o fortalecimento da cultura. Participei de cerimônias extremamente especiais nas aldeias da Terra Indígena Jaraguá e sei que ainda há muitos aspectos da cultura preservados. 

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Em relação à temática do documentário, até então eu não sabia da importância das abelhas para a nossa vida na Terra e tampouco das abelhas sem ferrão. Seres pequeninos e essenciais. 
Fico muito feliz de poder escrever para o blog desse colégio, onde  entrei no jardim de infância e só saí para ir à faculdade. Tenho um carinho enorme por todos os professor@s, funcionári@s, alun@s e plantas. Posso ter terminado a educação básica, mas o Micael ainda faz e sempre fará parte da minha vida.
Leia a seguir a visão do Wera Mirim Marcio e do Thiago Carvalho sobre a participação no documentário:
Wera Mirim Marcio é Guarani, meliponicultor e vive na aldeia Tekoa Itu, da Terra Indígena Jaraguá. Ele é figura essencial para o projeto das abelhas ter chegado ao Jaraguá. Além disso, traduziu as entrevistas do guarani para o português e é um dos personagens do nosso média-metragem.
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Thiago Henrique e Marcio
“Foi uma experiência única, muito boa e muito importante porque esse filme tem uma visão realmente nossa, do nosso povo Guarani. As traduções foram difíceis para mim, trabalho árduo, mas que ficou muito bacana porque teve toda uma participação em equipe para ficar da forma como pensamos, como queríamos. O ponto mais importante é que o filme tem a cara do Guarani, tem toda a identidade Guarani porque soubemos fazer. Fora isso, ele está aos poucos repercutindo. Outro detalhe importante é esse: colocar o filme para o povo lá fora saber do nosso trabalho e o quão a abelha é importante na visão Guarani. Esperamos que esse filme seja muito divulgado para que, mesmo de forma indireta, as pessoas comecem a proteger as abelhas, que é o foco do nosso trabalho — a preservação das abelhas.
Outro ponto importante é que não havia um documentário que mostrasse essa relação que nós Guarani temos com as abelhas na questão religiosa, que é muito, muito sagrada. Ainda não tinha sido mostrado, dessa forma, para todo juruá kuery (não indígena) ver. Por acreditarmos nesse trabalho, revelamos o nosso segredo que antigamente era guardado a sete chaves pelo xãmoi kuery (líder espiritual). Acho que isso é um ponto muito forte para nós e por acreditarmos em vocês [Laura e Thiago Carvalho] e acreditarmos que o povo lá fora vai fazer um bom uso, vai entender o que a gente passa no filme a gente colocou. Antes nada disso era divulgado e esperamos que seja de bom uso para a sociedade. Só tenho a agradecer e esperamos que o filme represente o povo Guarani lá fora”.
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Thiago Carvalho filma Thiago Henrique
O Thiago Carvalho é um grande parceiro dos Guarani Mbya e dirigiu e filmou junto comigo. Além disso foi ele quem editou todo o material. Nas palavras dele:
“O Mel do Passado foi a busca de um resgate cultural importante para o povo Guarani e a construção de um recado fundamental de conscientização e alerta à sociedade e poder público sobre a importância que abelhas sem ferrão têm para a vida e preservação do meio ambiente.”
OBS: o Wera Poty Thiago Henrique acabou não enviando a tempo sua opinião (pedi em cima da hora), porém, ele é um personagem central no documentário e compartilha muitas informações especiais de seu povo e dos cuidados com as abelhas sem ferrão