Provocar uma reflexão profunda sobre a importância das abelhas para a vida na Terra. Encorajar cada iniciativa Waldorf do planeta a se transformar num oásis de proteção para esses insetos fantásticos e estimular as escolas a introduzirem em seu dia a dia vivências pedagógicas relacionadas a eles, do jardim de infância ao ensino médio.
Esses são os objetivos do lindo projeto Bees&Trees, que integra o movimento mundial Waldorf100, criado na Alemanha para celebrar o centenário da pedagogia Waldorf.
Não é à toa que esse grande chamado para a ação esteja ecoando entre as 1.100 escolas e os quase 2.000 jardins de infância que seguem a pedagogia Waldorf no mundo. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), um terço dos alimentos que consumimos depende direta ou indiretamente do trabalho das abelhas. O ponto é que esses insetos estão sob sério risco, especialmente por conta das mudanças climáticas e do uso indiscriminado de agrotóxicos. Somente entre dezembro de 2018 e março de 2019, mais de meio bilhão de abelhas foram encontradas mortas no Brasil (dados da Agência Pública).
Pouca gente sabe, mas aqui no
Micael temos várias colônias de abelhas, principalmente da jataí, uma espécie sem ferrão nativa do Brasil que produz um mel suave e, como toda abelha, tem função polinizadora. Há cerca de cinco anos, algumas dessas colmeias começaram a ser transferidas para caixas apropriadas, uma maneira de preservar a população quando uma obra precisa ser realizada e de proporcionar
aos alunos a oportunidade de observar de perto essas comunidades fascinantes.
Conversamos com a professora Claudia Johnsen, que estuda e cria abelhas há 30 anos e é uma das guardiãs das jataís micaélicas, sobre a importância desses seres.
Ela acredita que as ações ligadas ao centenário da pedagogia Waldorf podem estreitar a relação da escola com as abelhas e contribuir para que elas estejam mais presentes nas atividades pedagógicas.
O evento Colmeia Waldorf100, que acontecerá no dia 03/08 no Micael, poderá ser um bom ponto de partida para isso tudo se concretizar. Saiba mais sobre o evento e faça sua inscrição aqui.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista com Claudia Johnsen:
O interesse pelas abelhas
“Minha família tem um sítio na serra da Mantiqueira. Fui me apaixonando ao ver os caipiras da região lidando com as abelhas. Há 30 anos comecei a criá-las, fiz as primeiras caixas. Na última década passei a me interessar muito pelas abelhas brasileiras. Foi uma descoberta gigantesca saber que no Brasil temos uma quantidade enorme de abelhas sem ferrão, com méis maravilhosos, muito sutis, que a gente chama de mel nativo, mel dos índios… São mais de 350 espécies que vivem em nosso território. Os indígenas conhecem profundamente as abelhas sem ferrão. Para eles não existe a abelha europeia, a apis mellifera, aquela com listras pretas e amarelas que no Brasil foi cruzada com uma espécie africana.”
As abelhas do Micael
“Há cerca de cinco anos, percebemos que uma das pilastras do caramanchão estava apodrecendo no pé. Descobrimos ali uma colônia de jataí, abelha sem ferrão nativa do Brasil. Decidimos trocar a pilastra e transferir a colmeia para uma caixinha, construída aqui na marcenaria pelo Flaviano. Foi interessante o que isso surtiu na escola. Muitos funcionários são da roça e pegavam mel de jataí na infância. O Pascoal se acercou do movimento e todos começamos a ficar atentos. Fomos percebendo que havia vários ocos com colônias pelas paredes. Chegamos a achar uma dentro do teatro. Colocamos uma caixinha ali também. Atualmente temos cinco caixas e inúmeras colônias na natureza da escola, muitas em buracos nos barrancos e em volta da quadra.”
Cuidados
“As abelhas são pouco exigentes, mas você precisa observá-las sempre. Quando a colônia é colocada numa caixa nova, tem que observar se ela vai se adequar àquele lugar. O local deve ter pouco vento e ser direcionado ao sol. As abelhas têm uma relação forte com o sol. Tem que observar até que elas se sintam em casa. Na hora em que elas se sentem em casa, não precisa fazer nada, a não ser zelar para que haja flores onde buscar o néctar. As nossas abelhas estão vivendo bem. São elas que garantem que nossos pés de mamão deem mamão, que os abacates nasçam…”
Interdependência
“Precisamos criar uma parceria com os insetos e dar um basta nessa loucura da nossa sociedade de acabar com eles, nesse afastamento, nesse pânico que a gente tem deles… Os insetos são seres absolutamente necessários para o equilíbrio de muita coisa. Precisamos tomar consciência de tudo aquilo que a natureza faz em silêncio por nós.”
Aproximação
“Transferir uma colônia de abelhas para uma caixa nos possibilita extrair parte do mel produzido e permite uma aproximação da vida dessas bichinhas, entender como elas trabalham. As abelhas são extremamente organizadas e têm muito a nos ensinar. Eu já mostrei nossas caixas para alguns alunos, mas isso ainda não é algo sistemático.
Graças e esse movimento em torno do Waldorf100, estamos pensando em criar um canto aqui na escola para as nossas abelhas, pois as
caixas estão todas dispersas. Quem sabe a partir do evento que vamos realizar em agosto com essa temática tudo isso se torne realidade? Desejo que todos os anos da escola possam ter consciência do que é a vida das abelhas. É um projeto que devemos levar adiante.
Texto: Katia Geiling
Fotos: Rogério Abbamonte
Que venham os próximos cem anos!
Por Suzane Abbamonte, professora de classe do 2º ano
Neste último final de semana, feriado de Corpus Christi, um grupo de professores do Colégio Micael participou do Congresso de Celebração dos 100 anos da Pedagogia Waldorf, realizado em Piracicaba.
O encontro teve início no dia 19 com o Cerimonial de Abertura, que aconteceu no salão nobre da ESALQ/USP. Ali ouvimos palavras de outros professores e tivemos o prazer de assistir ao coral do ensino médio da Escola Waldorf Rudolf Steiner e a uma apresentação artística dos professores da Escola Waldorf Novalis, sediada em Piracicaba.
Foram 40 horas de atividades intensas. Participamos de palestras e de grupos de estudos para aprofundamento das conferências oferecidas por Rudolf Steiner aos primeiros professores da primeira escola, fundada no ano de 1919, em Stuttgart, na Alemanha. Também nos debruçamos sobre o livro Arte de Educar I – o Estudo Geral do Homem – uma Base para a Pedagogia. Fizemos ainda parte de grupos de práticas artísticas e pudemos nos dedicar a pinturas variadas. As abelhas eram o tema central do evento e também tivemos a oportunidade de assistir a uma palestra sobre o assunto.
Foram dias de muito troca, aprendizagem e alegria. Estar perto de pessoas que carregam no coração e na alma aquilo em que se acredita faz com que, a cada instante, renovemos os votos nesse caminho escolhido por nós. Todos voltamos para casa alimentados e repletos de novos impulsos. Que venham agora os próximos cem anos!
Assim nasceu nossa árvore Waldorf100
Por Katia Geiling
Foram horas de trabalho de muitas mãos dedicadas. Desenha, corta, fura, lixa, enverniza, corta arame, passa arame, torce arame, entorta arame. A cada nova etapa, nossa árvore ganhava forma e criava expectativas. Será que vai dar certo? Ela só desabrochou mesmo, com todo o esplendor, quando começamos a pendurar em seus galhos os quase 250 cartões que o Colégio Micael recebeu de escolas Waldorf do mundo todo no último ano – da vizinha Argentina à distante Nova Zelândia, passando por Austrália, Japão, Alemanha, Estados Unidos, África do Sul e muitos outros.
Ainda estávamos pendurando os últimos postais quando as crianças saíram para o corredor e se depararam pela primeira vez com a árvore onde brotavam desenhos coloridos de colegas de diversas partes do globo. Foi emocionante ver a surpresa e a alegria delas. Na mesma hora os alunos se lembraram dos desenhos que também haviam feito, tempos atrás, para mandar para escolas de outros países.
A troca de cartões postais desenhados à mão faz parte de um grande intercâmbio artístico que integra as celebrações do centenário da pedagogia Waldorf. A nossa árvore Waldorf100 traz outro elemento alusivo às comemorações: abelhas de lã que voam faceiras entre os desenhos. O projeto Bees & Trees (abelhas e árvores) é uma das iniciativas mais bonitas e importantes do movimento Waldorf100 e tem como objetivo estimular as escolas a criarem colônias para abelhas em seus espaços (o Micael tem várias caixas que abrigam abelhas há tempos, sabia?).
O mais especial de tudo isso é que nossa árvore fincou raízes bem no local onde está assentada a pedra fundamental da escola. Veja aqui o álbum com as fotos de todo o processo de criação.
Agradecimentos especias a Sergio Takahashi, que desenhou e cortou a árvore; a Jorge Ikeda e Alex Menezes, que fizeram os acabamentos e encontraram a solução perfeita para pendurarmos os cartões; a Juliana Azzi e Chris Bueno, que confeccionaram as abelhas; a Denise Ablas e Luciana Cavalcanti, que ajudaram a preparar os cartões e a pendurá-los.
“Venho acompanhando os cartões postais do projeto Waldorf 100 desde que o grande pacote com mais de mil cartões em branco chegou à escola. Vi nossas crianças e jovens desenhando em alguns, vi outros já prontos para o envio e também o primeiro cartão, vindo da Alemanha, que chegou para nós (isso foi muito legal!). Acompanhei e participei de algumas discussões informais a respeito do que faríamos para expor todos eles. A ideia foi chegando aos poucos: prender a uma parede? Pendurar? Fazer um móbile? A ideia da árvore pareceu uma ótima solução – algo que poderíamos transportar e expor em vários pontos da escola! A partir daí, um monte de sugestões, de pais e mães, de mãos, de contribuições de todo tipo… um trabalho em conjunto que resultou nessa lindeza de árvore, pela qual estou apaixonada!” Denise Ablas, bibliotecária da escola e mãe de aluno do 6º ano
“Quando a árvore pousou ao lado da nossa pedra fundamental, me emocionei. Um filme de como chegamos até aqui passou na mente… Uma gratidão de 100 anos inundou meu coração. Obrigado a todos pela oportunidade de ter colaborado.” Jorge Ikeda, pai do 1º ano e um dos coordenadores do Conselho de Pais do Micael
“Árvores são sempre um símbolo de muita positividade. Secas ou frondosas, naturais ou feitas artesanalmente pelas mãos humanas, elas inevitavelmente representam algo sobre o mundo que merecemos e precisamos observar com mais cuidado. Não foi muito diferente o que a árvore do Waldorf100 emanou.Confirmei ainda mais, a partir dela, a necessidade urgente de aprofundar a comunicação com o outro, muito mais além do que já temos feito no mundo atual, de realmente conhecer o diferente ao tentar ler através daqueles galhos repletos de cartões, o universo, o coração e a cultura de crianças que não temos ideia de como vivem, sentem e pensam. Foi muito emocionante! Inesquecível poder contribuir com a montagem da árvore! Em vários momentos o ato de pendurar aqueles belos e sensíveis cartões me proporcionou o repensar a respeito da qualidade de nossa comunicação e entendimento do ouvir/ler o outro. Que esta árvore seja um pequeno pedaço da prática real e presente do perceber e compreender cada vez mais e melhor nossas crianças e jovens. Ela está pulsando até agora em mim! Obrigada imensamente!” Luciana Cavalcanti, mãe do 1º e do 10º A
“As ideias de Steiner nos incentivam a reconhecer nosso potencial”
Em 2012, o cineasta inglês Jonathan Stedall lançou o documentário O Desafio de Rudolf Steiner, um mergulho profundo e tocante no legado deixado pelo filósofo austríaco que criou a pedagogia Waldorf. Stedall se dedicou ao projeto durante dois anos. Colheu dezenas de depoimentos de pessoas que vivenciam, na prática, os ensinamentos deixados por Steiner, nas mais diversas áreas, como educação, agricultura, economia e medicina. No mesmo ano em que o filme foi apresentado ao público, a Revista Micael publicou uma entrevista exclusiva com o documentarista, realizada pelo jornalista Gabriel Brigagão Ábalos, ex-aluno de nossa escola.
Neste ano em que celebramos o centenário da pedagogia Waldorf, nada mais oportuno que relembrarmos os principais trechos da conversa entre Gabriel e Stedall, e, claro, assistirmos novamente ao documentário produzido pelo cineasta inglês (acesse aqui a parte 1 e aqui a parte 2)
Por Gabriel Brigagão Ábalos
Por que o senhor decidiu fazer o documentário?
Há muito tempo queria fazer um filme sobre a vida de Rudolf Steiner e seu legado. Em parte como um tributo a alguém que foi uma grande inspiração em minha vida, mas também para poder trazer suas contribuições para pessoas que, assim como eu, procuram um entendimento mais profundo sobre os mistérios da existência e não estão satisfeitas com a polaridade ciência x religião.
O senhor teve alguma ligação com a Antroposofia antes desse trabalho?
Deparei-me com um livro sobre a pedagogia Waldorf em 1961, quando eu tinha 21 anos de idade e trabalhava como editor assistente no Pinewood Film Studios UK. O que eu li me levou a visitar uma escola Waldorf. Depois de outros encontros e de mais leituras, me interessei cada vez mais pela obra de Steiner.
O que mudou na sua visão sobre o ser humano depois de fazer o documentário?
A minha visão essencialmente otimista em relação à vida e à humanidade foi fortalecida e enriquecida pelas experiências que tive durante as filmagens. Acima de tudo, foi para mim uma confirmação de que a humanidade de fato sofre mudanças e de que, apesar do cenário sombrio que domina o noticiário, o mundo está lentamente se tornando mais compassivo e cuidadoso. Idealismo não é algo ingênuo nem desperdício de tempo. O futuro está em nossas mãos – e testemunhei muitos pares de mãos trabalhando juntos, tentando mudar o mundo para melhor, um mundo que irá corresponder no futuro ao que vive hoje em todos nós como uma esperança. Para mim, essa energia e coragem estão intimamente relacionadas a uma declaração de Steiner: “Cristo fez do mundo o seu Céu”.
O senhor acredita que os ensinamentos de Steiner podem ajudar a humanidade a traçar um futuro diferente e mais humano? De que maneira?
O que me chama atenção essencialmente em Steiner e em vários outros personagens importantes, como Tolstói, Gandhi e Jung, sobre os quais eu também fiz filmes durante os meus anos na BBC, é que eles oferecem ensinamentos úteis, mas profundamente desafiadores, sobre nosso caminho para nos tornarmos seres humanos mais plenos. Em particular através de Steiner, somos levados a nos tornar mais equilibrados para poder viver criativamente entre as polaridades masculino e feminino, fé e razão, cabeça e coração. Somos incentivados pelas idéias de Steiner a, acima de tudo, reconhecer o nosso potencial para um saber no seu sentido mais profundo. No entanto, o conhecimento sem compaixão é um caminho potencialmente perigoso. Eu gosto da expressão que ele usou certa vez ao descrever o nosso objetivo final: “tornar-nos indivíduos menos individualistas”.