O nome não poderia ser mais apropriado: Rádio Escafandro, um “podcast para mergulhos profundos”, como bem define o texto de apresentação do projeto criado pelo jornalista e escritor Tomás Chiaverini, ex-aluno do Micael.
Há dois anos no ar, o programa conta com quase 500 assinantes- apoiadores que fazem contribuições mensais a partir de R$ 5 para viabilizar a produção de episódios quinzenais.
Cada podcast tem uma hora de duração e é inteiramente concebido, produzido, redigido, editado, sonorizado e apresentado por Tomás. “Acho que o fato de eu ter formação Waldorf, que abre muitas possibilidades para o aluno, contribui na hora de dar conta de tantas tarefas”, observa o jornalista.
Ciência, cinema, política, sistema prisional, sonhos. São variadíssimos os temas nos quais o ouvinte do Escafandro é convidado a mergulhar por 60 minutos, sem perceber o tempo passar.
No episódio de número 44, lançado esta semana, Tomás retorna a águas muitas vezes dantes navegadas, as do Colégio Micael, e vai fundo na história da vocação social da escola onde estudou do jardim ao 12º ano.
O desejo de dedicar um programa ao tema nasceu quando o jornalista soube do movimento de economia fraterna que o colégio começou a trilhar em 2020, uma resposta da comunidade às enormes dificuldades que a pandemia impôs às famílias da escola.
Ao longo de vários meses, num processo de muito diálogo, o Colégio Micael iniciou o desenho de um novo modelo econômico para custear suas despesas, baseado em contribuições fraternas, não mais em mensalidades fixas. Quem pode pagar um pouco mais que o valor sugerido ajuda a viabilizar os estudos de quem precisa pagar um pouco menos.
Além de permitir que e escola seja mais diversa e inclusiva, o modelo deixa mais claro o tamanho da responsabilidade de todos no equilíbrio financeiro da comunidade, algo que não ficava tão evidente com a política de concessão de bolsas, que sempre existiu colégio.
Para contar como o Micael foi amadurecendo sua vocação social até chegar a esse exercício fraterno impulsionado pela pandemia, Tomás traça um arco que começa na fundação da escola, em 1978. Sua primeira entrevistada é a educadora Áurea Machorro, uma das fundadoras do colégio. Ela conta que o grupo fundador sempre teve o sonho de desenvolver um trabalho social com os moradores da favela do bairro, que já existia quando a escola foi erguida no Jardim Boa Vista.
Ao longo do episódio, o ouvinte navega em muitas passagens da história micaélica, passando por lembranças do autor, pela criação do ensino médio noturno e pelo grande baque que a pandemia provocou na vida de professores, alunos e suas famílias.
A história é permeada por relatos de duas alunas do ensino médio, Rayanna Carneiro e Alice Polito, do gestor Roberto Veiga, do professor Daniel Kulaif e de Mauricio Santos, pai de três alunos, integrante do Conselho de Pais e um dos grandes incentivadores do processo de economia fraterna.
Para ouvir o episódio 44 da Rádio Escafandro acesse aqui.
Um grupo de pais e mães do Colégio Micael criou uma rede de apoio para garantir que famílias do Jardim Boa Vista com dificuldades financeiras por conta da pandemia pudessem comprar alimentos e itens de higiene e limpeza.
Funciona assim: pessoas dispostas a contribuir fazem um depósito de qualquer valor na conta do Mercadinho Shimada (dados abaixo), que pertence ao pai de uma ex-aluna da escola e é muito frequentado pela comunidade do Boa Vista. A parceria com essa loja também é uma maneira de apoiar o comércio do bairro neste momento.
O comprovante de depósito deve então ser enviado para o WhatsApp do Colégio Micael: 11 99477-8944
Com os comprovantes, as voluntárias encaminham vouchers para que as famílias possam fazer compras no Mercadinho Shimada. Os vouchers são entregues por Ana Elisa Telles, que também faz o controle das compras efetuadas. Presidente da Associação Comunitária Micael (ACOMI) e moradora do bairro, Ana Elisa conhece bem a situação dos moradores mais vulneráveis da região.
Conta para depósito:
Mercadinho Shimada Ltda EPP
Caixa Econômica Federal
Agência 2197 (Jardim Cipava)
Conta 687-7
Operação 003
CNPJ 51.579.480.0001-28
Dona Ana
Apresentação da turma de d. Ana Cândida
Quantas voltas o mundo dá
E nós nele
A se perder e se encontrar
A sala cheirando a madeira
As cortinas suaves enquadrando as janelas para o mundo
O quadro negro preenchido de cores e sentidos
O som das flautas, cada uma a seu modo, te seguindo
Na tentativa de fazer juntas uma melodia
O papel molhado recebendo as tintas do pincel
A História revelada em contação de histórias,
Encontro comigo em outras eras e lugares
O boletim preenchido à mão com sua letra
Revelando o quanto esteve, o ano todo, a mim atenta
Um verso recebido no início de cada ciclo
Sinal de que, mesmo nas férias, o vínculo afetivo não era rompido
Você não me ensinou a juntar letras no papel, o B-A-BA
Mas a contemplar o céu e ler as manhãs
A me encantar
As aulas não eram só carteira e cadeira
Mas vinham também em forma de brincadeira
Circo, teatro, dança…
O elo alimentado com toda a Natureza
Observar as flores, o caminho do sol e das estrelas
Plantar o trigo, fazer o forno e o pão
Construir nossa própria casinha
Fazendo de nossa vida uma moradia
E habitá-la com entusiasmo
Respirar com a vida
Alternando trabalho e festa
Cuidar do espaço partilhado, se dedicar a enfeitá-lo
Caminhar juntos, com as lanternas acesas na mão
Sentar e cantar juntos ao redor da fogueira de São João
Alimentar a experiência do convívio em comunhão
As viagens que ampliavam as fronteiras
Do mundo
E da alma
Montanhas e mangues
Hortênsias, vaga-lumes
Peixes e araucárias
Pedras, terra e águas
Estalactites
Tesouros formados pacientemente
Nas nossas próprias profundezas
Assim, a disciplina cedia lugar à dedicação
O fazer por haver uma sentida razão
Você era professora, não uma funcionária
Da mesma forma, eu não era uma estudante a-lunada
Éramos pessoas antigas partilhando o tempo presente
Companheiras de jornada
Em corpo, espírito e imaginação
Fazendo de cada encontro nossa oração
Insistindo em acender a luz do coração
Hoje tento imaginar como era possível
Que você fizesse tanto
E tudo, todo dia, com carinho?
Cada dia da vida era um templo
E nele entrava com devoção
Cada dia era um portal que se abria
Graças à sua dedicada alegria
Nos ensinando a escutar
As “preciosas ressonâncias de algum silêncio escutado há anos”
E a nunca barulhar para calar este silêncio
Mulher, como foi capaz de tamanha empreitada?
Por tantos anos, em cada instante mergulhada?
Quando penso em você
Vejo janela para o céu infinito
E pressinto a infinidade de seres viventes na terra
Eu, você, todos nós dentro e parte de tudo isto
Numa trama por todos nós tecida, delicada
Te vejo pingo de tinta vibrante que na aquarela se espalha
Te ouço estalo de madeira aquecida pelo fogo
Mãos e pés batendo juntos, ritmados
Te sinto cheiro de pão quente repartido em irmandade
Poema que nos fala de segredos
Que em dança de mãos dadas são revelados
Verão, outono, inverno e primavera
Vida infinda
Vida divina
Vida dividida
E multiplicada
Você segue agora para esta nova fase de sua jornada
Eu sigo dançando consigo este bailado
Que agora se expande para o outro lado
Desconstruímos, então, esta última fronteira
E a vida, mais uma vez, se revela inteira
De mãos dadas com a morte
Sua irmã verdadeira
Uma semente brota em meu peito aquecido
E do amor sinto o perfume de uma nova flor
Recém-nascida no infinito
Amanda Schoenmaker 22/02/2020
Dona Ana Cândida foi professora de classe da turma de Amanda entre 1989 e 1996. Ela fez parte do corpo docente do Colégio Micael durante quase 40 anos e partiu para o mundo espiritual em fevereiro de 2020.
Judô traz equilíbrio físico, anímico e espiritual
A ideia do Projeto Caminho Suave surgiu no final de 2016. Em parceria com a ACOMI e com o Sensei Eugênio Diniz, conseguimos viabilizar aulas de judô para jovens de primeira e segunda infância do Jardim Boa Vista. O intuito era trazer os preceitos e a filosofia dessa arte marcial como ferramentas às crianças para que elas pudessem lidar com todas as demandas e questões do mundo moderno (excesso de informações, eletrônicos, sexualização, drogas, intolerância, adultos imaturos e os próprios desejos).
O judô, além da atividade física, ensina o respeito, a disciplina, a concentração, a coragem, a calma interior e o equilíbrio físico, anímico e espiritual necessário para a formação do caráter e da auto-estima.
O trabalho foi iniciado com 10 crianças e hoje estamos atendendo mais de 70. Compramos tatames, quimonos e faixas, contratamos os professores (Sensei Eugênio e Sensei Samir), que doam parte de seu trabalho ao receber um valor de hora/aula abaixo do mercado. Levamos as crianças para participar de campeonatos em que as medalhas e troféus também ficaram por nossa conta.
No último domingo, dia 02/12, o Colégio Micael cedeu o espaço para realizarmos o Festival de Judô, em que vários alunos se graduaram, receberam diplomas e troféus. As famílias foram convidadas a participar do festival e prestigiar suas crianças.
No momento, o projeto está sendo apadrinhado por mim e pelo Vitor R. Harary, que também é pai da escola, mas para 2019 pretendemos arrecadar mais fundos, para que o projeto cresça e possamos atender mais crianças do bairro. Se você entende que a iniciativa é boa e quiser ajudar – pessoalmente ou indicando uma empresa que possa nos patrocinar, por favor, entre em contato através do telefone da ACOMI: (11) 3781-3999.
Para mais informações, todo o histórico do projeto pode ser visto na página do Facebook e no site da ACOMI (acomi.org.br)
Grato pela oportunidade,
Ronaldo Salomão Miguel,
médico antroposófico e pai do Colégio Micael
A transformação pela arte
Por Katia Geiling
Trazer arte e cultura para as vielas do Jardim Boa Vista. Oferecer às crianças e jovens do bairro a oportunidade de conversar (e de se encantar) com poetas, músicos, fotógrafos, grafiteiros, dançarinos e artistas das mais variadas linguagens que produzem obras de qualidade — e que quase nunca chegam às periferias.
Essa é a proposta do Coletivo Vie La En Close, criado em 2010 na favela do Morumbizinho, comunidade vizinha do Colégio Micael. O principal projeto do grupo é a Vielada Cultural, que no próximo sábado chega à sua 12a edição homenageando Raquel Trindade, uma das grandes artistas da cultura popular brasileira, que faleceu aos 81 anos no último dia 15 (veja programação completa abaixo). A sede do coletivo funciona desde 2015 num espaço cedido pelo Micael, no local onde antes ficava a Creche Nova Esperança.
O poeta Giovani Baffô, cofundador do Vie La En Close, nascido e criado no Morumbizinho, conta que desde pequeno se sentia diferente das outras crianças: gostava de literatura e de músicas que não tocavam nas FMs. Ele acredita que a convivência com uma professora da EMEF Solano Trindade que era mãe de um aluno do Micael tenha contribuído para o despertar de seu interesse pela arte. “A Bernardete ia em casa e me ensinava jogos, me ensinava a fazer tricô, a pintar. Fui acompanhado por ela dos 7 aos 10 anos. Eu não sabia porque era diferente da molecada, mas depois liguei os pontos: era por causa da Bernardete. Fui crescendo com essa onda de arte”, lembra.
Naquela época, a professora Bernardete Sulzbach fazia parte do grupo de pais, educadores e amigos do Colégio Micael que fomentou a criação da ACOMI (Associação Comunitária Micael), organização apoiada pela escola que realiza no bairro um trabalho socioeducativo fundamentado na pedagogia Waldorf.
Sempre que podia, Giovani saía do Jardim Boa Vista para saciar sua sede por cultura. Vivia em bibliotecas e acompanhava a programação de shows gratuitos da cidade. Adorava assistir às peças encenadas no Colégio Micael. “Vi muitas. Foram a base de teatro que eu tenho hoje.” Com o tempo, começou a pensar em formas de trazer arte para o lugar onde nasceu. Em 2000, criou o Invasão Cultural no Boa Vista. As ações foram ganhando corpo e parceiros, muitos deles do próprio bairro.
Em 2016, seis anos após sua fundação, o coletivo Vie La en Close foi um dos 30 contemplados pela 1º Edição do Programa de Fomento à Cultura da Periferia da Cidade de São Paulo. A Vielada Cultural hoje é um marco cultural em São Paulo, atraindo pessoas de outras regiões da cidade e até de outros estados. “O Micael devia participar disso. A gente gostaria de ter um palco do Micafest no meio da comunidade! A Vielada pode ser um passo para a molecada do colégio se misturar lá”, sugere Giovani.
Ao longo do ano, o coletivo também oferece oficinas de diversas linguagens artísticas para os moradores do Boa Vista. “Com elas, as crianças podem se experimentar nas artes, não apenas apreciar”, ressalta a educadora Ana Carolina Laet, integrante do Vie La en Close.
“Depois desses anos todos de trabalho do coletivo, hoje a gente vê na comunidade criança que quer tocar um instrumento, que tem essa gana de ser músico”, conta Tiago Ferraz, integrante do Vie La en Close e ex-funcionário do Micael. Assim como Giovani, Tiago nasceu no Morumbizinho e frequentou as atividades da ACOMI quando criança. “Sou muito grato a tudo o que recebi ali. Hoje sou voluntário e dou aulas de dança de salão na ACOMI”, finaliza.